quinta-feira, 23 de julho de 2009

Conto do Louco sem nome - Parte 2

Imagem: SirLeMojo


Era comum o louco falar de uma tal Bethânia de estupendos cabelos, mas que não eram louros e que, portanto, se assemelhavam a fios de metal que não eram ouro. Eram eles prateados e se era bela, não tinha a beleza das musas gregas, mas a de uma falsa gueixa que sequer seria japonesa. Também nunca, nem em pensamento, fora pura e, se atiçava o desejo dos homens bi e heterossexuais e das lésbicas, era porque tinha a fama de fazer sexo como uma gata em cio eterno.
Um dia, Bethânia idealizou e praticou um ardil para aprisionar junto de si um padre, que apesar de gordo e feio, sentia um profundo tesão. E foi assim que comprou LSD com traficantes e o misturou ao vinho que o sacristão beberia durante a missa. O padre, mesmo tendo muita resistência ao álcool e já ter fumado muita maconha na adolescência, acabou se entregando às ilusões daquela droga. Falou muitos impropérios contra deus, o papa, bispos e toda hierarquia do catolicismo e até se revelou ateu. As velhinhas que praticamente moravam na igreja para expurgarem os muitos pecados que – a despeito da prática de mais de cinqüenta anos, ainda vinham a acumular – olhavam estupefatas aquelas ações de um homem que há poucos minutos pregara o evangelho. Mal sabiam que, se ele falava agora a verdade do que pensava, era por estar sob efeito de entorpecentes...
Tão logo acabou a missa, Bethânia deu um jeito de ir a sacristia para encontrar o tal padre, que enfim estava só. Deu então um jeito de conduzi-lo a seu carro e levá-lo para o sótão de sua casa. Chegando lá a primeira coisa que fez foi injetar sonífero no homem para que ela fizesse uma cirurgia e extraísse suas cordas vocais. Afinal, não gostava muito de gente que falava... Talvez aí a razão de seu ódio por quase todo mundo...
No entanto, quando pensava que finalmente poderia com ele propiciar seus prazeres carnais, descobre que o homem era castrado. Censurou-se bastante por não ter se apercebido da voz fina que muito se distinguia quando se entoavam as canções de louvor a Deus. O pior de tudo é que como cortara as cordas vocais não poderia mais nem se deleitar com aquele doce canto de castrati, e isso em tempos de que eles já não eram mais comuns.
Ademais, se não se importava com a natureza do ser com que fizesse “amor”, por outro lado não suportaria não ter alguma retribuição. O que nunca aconteceria com aquele homem triste e amedrontado. Finalmente se apercebeu que cometera um grande erro e ficou temerosa do que a justiça poderia fazê-la pagar. Pegou então uma navalha se vestiu de homem e se pôs a errar pelo mundo vestida como mendigo. Viveu assim durante uns três anos numa cidade maior, próxima a sua, e tendo morrido de frio no último inverno.
“E o padre? O que houve com ele?” – Certamente o leitor atento estará se perguntando algo assim. Pois digo a verdade, que sempre digo, pelo menos quando é do meu interesse ou quando julgo que ela assim é.
Crianças que estavam nas redondezas, um dia depois da fuga da mulher, chutaram uma bola na vidraça da janela do sótão. Tocaram e tocaram a campainha e ninguém atendeu. Pois se houvesse morador naquela casa seria ele um fantasma. E é bem sabido que eles não existem à luz do dia – pelo menos é isso que os escritores de contos e os roteiristas de filmes de terror nos fazem acreditar. Afinal, eles atentos que são, bem sabem que as trevas nos despertam muito mais temor que a claridade do sol nas tardes e manhãs...
Oh, não! Mais uma vez eu em minhas digressões! Por favor, caro leitor, seja paciente e me censure não lendo as partes que perceber que incorro a poluir ainda mais este texto que por si só já considero tão ruim.
Mas voltando ao caso, as tais crianças, que eram três e se chamavam respectivamente X, Y e Z, eram bem atrevidas e como todas a crianças que jogam futebol na rua não estavam dispostas a perder uma bola. Fizeram uma votação e Z venceu (ou perdeu?).
Era ele tido pelos outros garotos como muito lerdo e sempre era o último a concluir as coisas. Os meninos fizeram então troças a respeito da má sorte de Z. Ele hesitou um bocado, mas apesar de não ser rápido, era bastante valente e seguiu a trepar pelas paredes até que ficasse sobre a casa.
Demorou, mas conseguiu chegar à parte de cima. Facilmente conseguiu abrir a janela a partir do buraco que eles próprios fizeram, tomando cuidado com o vidro quebrado. E quando se embrenhava no sótão à procura da bola, eis que avista o padre. O qual muito tentou perguntar, mas nunca obtinha resposta. Achou até que fazia graça. “Padre safado!” – pensou.
Só que de todo modo era aquilo muito estranho e então resolveu descer as escadas para abrir a porta de baixo para os X e Y pudessem ver. E X quando chegou lá, muito esperto que era, sabendo dos hábitos estranhos de Bethânia, concluiu que o padre havia sido raptado. Y, que era todo ouvidos, entendeu o que deveria fazer e saiu correndo, com seu estilingue na mão, para telefonar à polícia. Prontamente foram lá. O padre escreveu o que aconteceu e um policial mais descontrolado chegou a gargalhar histericamente daquilo. Nada se resolveu, pois não era do feitio dos investigadores solucionar todos os casos, pois se assim fosse, talvez um dia eles não tivessem mais emprego.
O padre, a despeito de tudo, hoje ainda reza as missas para alegrias dos surdos, pois ela é celebrada a partir da linguagem de libras!
Se esta história não pode ser descrita como um padrão nas histórias desse louco, que até o momento não citei o nome, isto se deve ao fato de que também não era diretamente coisa da cabeça dele. Dizia ter sido para ele contada por um tal Carlos, que vivia nos seus sonhos, e ser da noite que era, muito sabia do que acontecia nos submundos da cidade que morava.
Carlos, o boêmio, ficava a conversar com o louco, quando este, caído em sono estava. Por vezes o louco lhe mandava ir embora, mas teimoso que era, Carlos nunca obedecia. E assim, ficava a narrar suas aventuras noturnas, enquanto se embebedava naqueles bordéis, bares e inferninhos de imaginação. Ele dirigia a palavra ao louco sempre olhando para o céu e não era raro quando alguém lhe perguntava se estaria falando com Deus. Ele então respondia: “Por favor, respeitem nosso Senhor! Jamais seria Ele um tolo gigante doente das idéias!”. E assim caíam na gargalhada uns homens com faces parecidas que só se distinguia uma das outras pelas barbas mal-feitas de uns e pela quantidade de dentes que faltava em outros.


(Continua...)

Veja: Parte 1 de "Conto do Louco Sem Nome"

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6 comentários:

  1. Cara, agora sim eu estou gostando dessa história, está ficando bastante apimentada com as referências ao padre, às drogas, à policia e o porque de não se resolverem todos os crimes. Critica dentro de uma história interessante e uma pitada de humor fazem que eu espere mais ancioso à terceira parte

    Abrçs!

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  2. bah.. ta ficando bom...

    nossa.. bom demais...

    fazia tempo q não vinha aqui...
    quero ler mais o resto...

    http://gothicpoesia.blogspot.com/

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  3. Será que não existe cirurgia pra reposição de cordas vocais, não? Hahaha
    Sei lá, né?
    O padre tinha que ter se revoltado. Ora essa.

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  4. Rapaz, você ficou ausente uns tempos mas voltou com a corda toda, hein?
    Também ando com uns problemas aqui, acho que nem vou atualizar esta semana, só vai dar pra fazer umas visitas.
    Aquele abraço!

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  5. Que subversivo! Me parece um Bukowski mais requintado, e adorei também a sequência de rimas em meio a prosa (principalmente no primeiro parágrafo! Muito bom! Abraço!

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  6. Estou acompanhando, está ficando bom demais realmente!
    Beijo
    Até...

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