quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Maldição do trabalho.

Créditos pela imagem: Lucas Janin

Esse maldito trabalho
Que não é o que quero.
Que não é o que espero.

Esse maldito trabalho.
Que não parece ter sentido.
Que me faz acordar quando não gostaria.
Que me faz escravo do ponteiro mais rápido do relógio.

Esse maldito trabalho.
Que me faz tomar dois ônibus ou mais.
Que me angustia só de pensar.
Que amanhã será outro dia.

Esse maldito trabalho.
Que não tenho mais vontade alguma
De vir e sorrir para quem não desejo.
Ou de fazer o que eles dizem que deveria fazer.

Esse maldito trabalho.
Que é o supra-sumo do tédio.
Em que me agonizo por me prostituir
Vendendo cascas de simpatia que encobrem o fingimento.
O que sei é que as meretrizes muito dignas que são
Jamais venderiam seus sentimentos
Talvez elas em algum momento até os entreguem a alguém.
Talvez até mesmo para um desses seus clientes
Mas só os prazeres que propiciam é que estiveram em algum momento à venda.
Suas emoções sempre bem guardadas são oferecidas apenas aos merecedores.
De forma gratuita e quem sabe até incondicional.

Esse maldito trabalho.
Que me faz perder a beleza noturna.
Que me regula e me desregula.
Que tripudia sobre o que quero ser.
Que me torna minha instabilidade tanto mais freqüente.
Que me dilacera sutil e lentamente
com navalhas tão finas e pequeninas
que nunca fui capaz de perceber.

Cortou meus pés, para que não caminhe por vontade própria.
Meus calcanhares para que não me equilibre.
Meus joelhos e cotovelos pelo simples prazer de me desarticular.
Fragmentou depois em mil pedacinhos meu estômago...
e se não bastasse liquidificou os minúsculos pedaços de entranhas.
E digeriu o que eu usava para digerir.

E o meu cérebro se navalhado não foi
Espetado sem piedade se submeteu a torturas.
Motivo pelo qual estou eu assim zumbificado
E em meus lábios perpassa viscosamente o líquido sabor ferrugem
Minha língua impregnada de tal horror ficará
Por dias, meses, anos e além deles.
Impiedosamente!
Mesmo ao perceber minha frágil pele que estará carcomida.

E tudo isso foi tão pouco perto do mais doloroso
Que foi quando vi meu coração em fatias
Tão finas que chegavam a ter uma transparência avermelhada
Era tão bela a perfeição de seu corte que talvez até me esquecesse
Que em poucos dias estaria pútrido ali naquele prato
Pois sequer o comeriam
Apenas o deixariam apodrecer
E eu com olhos chorosos e impotentes de ação
Apenas via um dilúvio frente a mim
Com aquela água com gosto de soro caseiro
E que não era real para todos como todo real é e não é

E aqueles malditos desse maldito trabalho sorriam
Com as faces tão bem forjadas por sua rotina imbecil
Que mal eram capazes de compreender sua infelicidade
Nos escritórios fechados em seus cubículos pareciam bovinos
se enganando ao imaginarem que seriam racionais.
Pastavam o que lhes era oferecido sem questionamento
Enquanto se excitavam em espasmos orgásticos do capital
Que sequer lhes era seu de fato
Recebiam migalhas pouco maiores que as migalhas da maioria
E se satisfaziam com essa miséria um pouco melhor
Que apenas servia para empobrecer seu semelhante
O mesmo que ajudava com uns trapos no natal
Com os restos do peru de sua ceia farta até do que não comesse
E que fazia mea-culpa perante a hipocrisia de seus moralismos cristãos.

E eu nesse maldito trabalho
Tudo observava já muito desanimado
Esperando recompor minhas partes que foram tomadas.
E os malditos desse maldito trabalho
Tão cegos e estúpidos que são
Gargalhavam... apenas gargalhavam.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Conto do Louco sem nome - Parte 4

Créditos pela imagem: juliana.moraes

Vingança! Vingança! Vingança!
Vingança. Vingança.
Vingança...
Mas que vingança uma mulher tão doce e pura como Judite poderia tramar?
Sentia ódio, vontade de extravasar aquela dor sendo dessa vez algoz daquele que a fizera sofrer. No entanto, estava perdida. Impotente...
Era algo como se uma grande bola com superfície semelhante a um ralador de queijo se expandisse descontroladamente de seu peito, mas a mesma fosse incapaz de romper a sua pele.
Talvez a fúria e o ressentimento a impedissem de ter algum pensamento racional. Num desses acessos pensou em matar o tal Carlos. Não friamente, pois em sua mente só ocorriam imagens sádicas desses possíveis atos.
Um machado...
Cabeça.
Sangue!
Lágrimas...
Sorriso.
Angústia se esvaindo...
Depois de tudo um vazio...
Uma sensação de ter feito algo sem saber o porquê. Mais tormento...
Um machado ensangüentado e um sorriso precedidos de lágrimas que caíam num crânio rachado, não seria esta a melhor cena congelada em sua mente para a libertação de sua própria angústia. Seria apenas um desafogo, que no fim resultaria em mergulho num novo e poluído lago de desolação.
Decidiu então engolir seus sentimentos, para saber melhor o que fazer. Deixar se acalmar... Por uns tempos. Meses talvez... Anos, quem sabe?!
O tempo é relativo. Para uns tudo que acontece agora terá um grande significado daqui a dez anos, para outros isso de agora será eternamente uma grande estupidez. Para muitos coisas corriqueiras se tornarão belas ou memoráveis daqui a um tempo, para alguns poucas coisas serão dignas de serem lembradas, mesmo num futuro próximo. Nossa memória é seletiva. Decidimos o que é conveniente não ser esquecido. Mesmo quando não temos isso muito claro para nós mesmos. E em certas circunstâncias precisamos viver, absorver outras coisas para encontrarmos outros caminhos... Refúgios em prisões que nos resguardam de nós mesmos... Daquilo que somos, mas não queremos ser...
Decidiu se casar. Casar com Carlos... Transparecer que cedera a seus cortejos.
Idéia maluca pode parecer. Até mesmo incoerente...
Carlos lhe cobria do que achava que era o melhor do amor. Jóias, belas roupas, muitos presentes e ele mesmo sempre presente. Vivia em função de Judite. Casou-se com ela para a fazer feliz.
Mas ela era indiferente...
Se Carlos a tinha em sua casa. Se era sua companheira nos papéis judiciais que tão pouco valem, ela lhe era mais ausente do que quando descaradamente o desprezava. Isso o atormentava e o entristecia... Lembrava-se daquela vez que...
Catabloom!
- Hei, seu mendigo de merda! Saí daqui que da próxima vez que ficar falando esse tanto de asneira vai sentir muito mais que a sola do meu coturno!
Isso quem falava era o segurança do terminal de ônibus em que o nosso amigo louco contava suas estórias.
O louco caiu no chão com o chute, bateu a cara num banco de concreto ao lado e ficou todo sujo do próprio sangue. Gritava: “Fela da puta do carai duma figa rapariga num inferno”. Porém, não brigou. Apenas saiu do lugar.
Caminhava a passos rápidos, primeiramente, depois lentos... Depois lentos e rápidos e no fim foi parar numa praça. E escolheu uma platéia de pombos para continuar o que contava, mas que não lembrava muito bem do que seria.
- Boa tarde, meus caros amigos, muito mais nobres que toda a espécie humana. Porque apesar de seus piolhos e das doenças que trazem junto de si, são muito mais sublimes que qualquer um dos nossos. Porque têm asas! E têm a aparência do espírito santo! Apesar que eu não acho que ele seria cinzento e sujo como a maioria de vocês...
Alguns pombos pousavam sobre o homem. Ele não se importava... Suas roupas com isso ficavam mais coloridas, pois se misturavam a elas agora plumas e fezes dos pássaros.
Braços abertos, um rodopio, um cantarolar de uma música em língua desconhecida!
Ah, era perfeito! Cadê minha câmera para captar aquilo?!
Ei, uma faca! Faca, pombo. Pombo, faca!? O nosso amigo tinha se alimentado até aquele momento?
Entendi melhor aquilo quando ele degolou o pombo e ficou gargalhando, pois tinha algo para comer em seu jantar.
- Haaaaaaaaahhhhhhhh! Você tem cérebro de passarinho mesmo, heim?! Vai virar papá pro papai então! Haaaaaaahhhhhhhhh! Mas antes vou continuar a estorinha pros coleguinhas que aqui me ouvem... Um, dez, cinco, dezenove, vinte e oito, dezedez.... Nenhum... Nem gosto de gente mesmo...