A pequena-burguesia quase sempre é retratada como coisa da pior espécie. É o que
dizem por aí. Gente sem opinião. Que pula fora do processo revolucionário, para
os socialistas. Aquela “gentinha” que quer ascender socialmente para os
burgueses de verdade. Protofascista, como recentemente disse a Marilena Chauí
em debate recente. Hoje em dia, o termo mais comum usado para ela talvez seja o
de classe média. O irônico “classe média sofre” já virou bordão nas redes
sociais, talvez expresse bem como se pensa dela hoje em dia.
Lembro do Paulo Freire dizendo que seria possível transcender
a condição de classe e estarmos juntos dos oprimidos. Afinal, um e outro,
opressor e oprimido, vivemos relações baseadas na opressão. “Ação cultural para
a liberdade” era o que ele dizia. Quando lia essas coisas gostava de pensar
numa palavra mais além: “libertação”. Tão mais sonora, tão mais bonita, tão
mais cheia de vivacidade e que prenunciava um amanhã indefinido, mas
potencialmente mais luminoso que essa lua tão cheinha que esta semana mesmo,
por essas bandas do cerrado mineiro, estalava no céu.
Não sei se isso é possível. Continuo a acreditar na beleza
criadora da palavra, que não está solta no mundo, mas é preciso um pouco de fé,
para em meio a tanto martírio por todos os cantos não deixar a esperança secar.
De tanto se decepcionar, lacrimejar, até desertificarem as pálpebras.
Em “Educação” (An Education, Inglaterra, 2009) uma jovem de
classe média suburbana se mata de tanto estudar. Seu pai a oprime, cobrando-a
para que consiga ir para Universidade de Oxford. De um lado, a jovem, amante de
artes, literatura, música francesa e um mundo de sonhos. O tédio dos seus dias
parece ser algo insuportável. “Todo este país é chato”, chega a dizer. De
outro, o pai, que em verdade quer mais que a filha entre para a universidade
mais por status social, do que para sua formação, muitos menos para construção
de conhecimento.
Tudo, entretanto, parecia bem definido. Parecia uma espécie
de “Es muss sein!” beethoviano (“Tem que ser assim!”) como diria M.
Kundera, mas que mal se sustentava.
Eis que “surge”, não em cavalo branco, mas em carro esporte,
um homem de meia idade, bem aparentado, com grande poder de persuasão, e capaz
de lhe oferecer todas essas coisas que são “seu sonho”. A partir daí, os
dilemas começam a aparecer. Na cena de
seu primeiro encontro, o homem dá a entender a problemática central do filme.
Quando, a garota lhe diz que conta que vai a Oxford e lhe indaga para onde ele
estudou, lhe responde “Na universidade da vida”.
O que vale mais então? A educação formal ou as lições da
experiência, ou melhor, do “experimentar”? Sob pressões frente a esse
relacionamento e as obrigações escolares, o que deve ser feito?
Mas talvez a grande questão, será que esse desejo do
experimentar também já não viria formatado. Um grande desejo de vivenciar um
dado prazer, feito a um produto acabado, um desejo do que não está às mãos? Será
que esses desejos não são tão frágeis quanto os planos, que sequer são pra si
próprio, do pai?
Adorno, quase apocaliticamente criticava antes dos anos
1960 em que se passa a história do filme, a fruição estética. Haveria lugar
para alguma expressividade sincera nessa postura, em que a arte acaba se
convertendo num produto para apreciação? Um objeto, contemplativo, a ser
adquirido? Há alguma solidez nisso? E se houver, qual é o risco de se
despedaçar em instantes e perder-se o ar? Mas, por fim, e se assim for há algum
problema nisso? Precisamos mesmo de uma arte superior? Se podemos comprar
alimentos para o estômago, porque não para alma? E, essa Arte, com “A”
maiúsculo é tão boa assim?
Perguntas retóricas... de se perder nas reflexões, nas
possibilidades. Enquanto isso, se vive os dilemas, cada um a seu modo. E o
mundo gira, sem parar... Com educação ou não. Prefiro acreditar que a da vida e
a formal são imprescindíveis, cada uma a seu modo, todavia...
O questionamento acerca da arte é bem interessante. Apesar de gostar das críticas à razão feita pela Escola de Frankfurt creio que eles exageravam nesse par arte "revolucionária-para-o-futuro/estética-para-o-presente-fruidor". Em "Partilha do Sensível", Rancière dá uma resposta inovadora aos frankfurtianos para pensarmos a utilidade política e a superioridade de determinada forma de arte que foge da "arte educadora" sem cair na "arte superficial" (que no imaginário de Frankfurt não serve para nada além de reproduzir). Pretendo postar em breve sobre o assunto.
ResponderExcluirAbraços!