sábado, 21 de dezembro de 2013

imemorial

créditos pela imagem: Dan Barbosa

queria rabiscar memórias
que nunca as tive
em balcão a serem  trocadas
por uma morte a cada dose

queria pichar em vermelho
o ocre dos seios da cidade
tirar o verde lodo dessa lama
que agoniza nos banheiros

queria é passado imperfeito
e se pe(r)de em futuro incerto
um letreiro em letras mortas
um alento não afável

imiscível

créditos pela imagem: kinchloe

o amor e o capital
não se namoram
não se afagam
não se transam

não se enroscam
porque beijo de um
é morte pra outro
de volúpia descascada

as cifras da cabeça
são parvas abestadas
sem as notas do coração

papéis valoram desejos
mas não põem preço
em beijo acalentado


21/12/2013  __________________ TC, Uberlândia, 21/12/2013

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

saber ver os vôos

Créditos pela imagem: annamotta
e me diz uma menina voa do telhado passarinho com seu bando lá nos ares fazer rasantes que confundem as rotas certas da cabeça e as métricas dos nossos corações
dá pra ver nesse recorte de horizonte que o mundo não se fez para ser exato e quem fica em pompa com seus ditos e diz que rolinha não é pombo menorzinho está cheio de taxonomias que aprisionam e perde a lua em despedida em beijos para o dia
nenhum amanhã tem dono nenhuma manhã nos pertencerá as posses estão mesmo em falência e só mesmo a louca dança salvará eu digo arigatou Tupã saravá
vai vai passarinho vai cortar por esses raios de madrugada que alumia uma canção que se empina por entre pipas anuviadas que descerram o mundo desse véu
quantas memórias escondidas estarão por trás dos olhos da menina que ensina não perder o movimento que está no quadro vespertino e que pra curar os meus tremores basta contar um só segredo basta saber ver os passarinhos
Uberlândia, 26 de agosto de 2013.

domingo, 24 de novembro de 2013

nada em curva

é preciso ser

                                               ...nada...
pra poder ser
                               tudo!

e se ventar
                em alentos
                               das previsões
                                               que se farão ser

                                               a lógica boa
                               dos sentidos exatos
                se esfacelarem
se virando duvidosos

                a certeza pode andar em reta
mas uma curva que é boa
                pra amor que não é reto

e pras paixões eretas

T.C., Uberlândia, 24/11/2013 - fim de vésper.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

de fora para mim pro que devemos ser

O povo não é alienado. Na verdade, o povo, principalmente sua parte mais pauperizada, tem um senso de concretude que vai muito além do que pensam muitos dos que dizem como ele deve agir e saber. Sim, porque o povo encontra estratégias para sobreviver, para não passar fome, para não passar frio, enfim, para garantir a continuidade de seus amanhãs.
 Por vezes, isso não se conclui em manter-se na legalidade.  Por isso as trilhas avessas à norma são uma das possíveis saídas quando os salários não chegam ao fim de mês e as contas sempre batem mais que os parcos trocados juntados pelo suor de seguidas jornadas laborais extenuantes.
O povo sabe da importância do trabalho e de sua relação com o capital. E o mede isso todo dia que lhe falta o pão. O seu suor salgado escorrendo da face ao corpo atesta desejo por dias maiores. Não maiores em tempo. Mas maiores em vida. Pois a vida não é medida numa contagem de minutos, horas ou anos. É tão simplesmente a possibilidade de se rir, chorar, apaixonar, entristecer, sentir. Ver que as cores vão para além das caixas de lápis, das sinestesias artificiais. O Estado deveria garantir a toda cidadã e a todo cidadão sentir o cheiro da chuva que cai na terra que está seca há meses. Ou ainda que toda criança tivesse direito a voar juntinho com as pipas que empina. Que bobagem alguém vai me dizer... céu é tão longe, né? E as pipas nem aguentam o peso. Mas esse céu é bem pequenino e próximo perto das nossas fantasias e do nosso desejo de sermos o que quisermos. Nosso peso pode sublimar aos encantos das nuvens que se esculturam aos nossos olhos.
Deito-me de umbigo pro sol e olho o horizonte lá no alto e outra vez me lembro do povo. É que eu nunca me esqueço pra sempre ter uma nova certeza. A mais nova é que o socialismo deveria se resumir no seguinte termo: a obcecada busca por plenitude humana. Pois se isso não for qual haveria de ser sua serventia?
O maior tumor da sociedade que vivemos, e que só cresce, é o descarado roubo de subjetividade. Confundimo-nos com os produtos, com as mercadorias, com os elixires que supostamente expressariam o sabor que gostaríamos de nos degustar. A autenticidade pode ser dada como moeda de troca para o novo barato de agora com obsolescência previamente programada.
A rotina é um entremeado de grades que rodeiam nossos passos. Mas meus pés calejados não se conformam com esses terrenos tão planos. Eles foram fabricados para as montanhas, para os relevos íngremes, inclusive aqueles medidos nas batidas do coração. Quantos corações quis entrar e eles se deram em propriedade privada ou até privativa. Pois bem! Deveriam socializar os corações. Expropriar todos aqueles que se fazem latifúndio, monocultura, terra improdutiva. Um coração deveria ser livre pra quem quisesse entrar por tempo indefinido. Não deveria ser uma prisão, nem uma fortaleza. Deveria se abrir e se deixar ser aberto.
“É terminantemente proibido que o consumo individual de mundo de ultrapasse a quantidade necessária à vida digna do outro”. Acho que eles se esqueceram de escrever isso na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Capaz de ser porque ela não é para todas e todos de nossa espécie. Ou porque sua universalidade é limitada a algumas poucas galáxias.


Cada uma de nossas respiradas deveria de ser uma oração. Como uma prece que aspira de fora para dentro e é devolvida em louvor e gratidão. Mesmo as angústias que apertam a garganta podem ser expiradas em ternuras pelo instante. Dai-me amor. Dai-me vida. Dai-me candor. Por todos e por mim. Por nós.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

da lógica que não pode ser

da lógica que não pode ser

se eu envelopar a água
o que você me dá?
e se eu enrolar o vento
ganho quantos centímetros de alforria?

se eu aspergir soluços
presentearei tresloucados anfíbios
e se eu banquetear rumores
vou vomitar artrópodes

mas’que’cê’me’dá?
se eu for calar o frio
e sentir nos pés os calos frios
e me arrepiar em calafrios?

frígida nunca foi a frigideira
que fervilha a cabeça
e polvilha a multidão
escamoteia plutônica angústia
dos vulcões que poderiam ter sido
e se resignam subterrâneos

as lágrimas que cristalizam pétreas
são as lavas não escorridas pela terra
que alocadas nos medos das pálpebras
jaz em anseio de banhar magma em explosão

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

caixa-flores

despetalam floresceres
e ser girassol solto se tornou muito pouco
porque agora são requeridos jardins inteiros
e não cabe mais ser só um
nem ser só mais um

é estação de germinarmos em muitos
pra nos sermos e sermos o outro
e nos semearmos em trigo
nos fazermos tenro alimento
pras bocas e almas famélicas
de sentimentos do mundo

é verídico
não se permitirá protelamento
é instante oportuno e preciso
de derrubar as cercas
o que nos reprime de ser
sobreviver não é o bastante

pois se pequeninos que somos
não nos contentamos em migalhas
e queremos a vida bem grande
e deixamos em clarividência:
não nos abriremos a negociatas
nem queremos pagamentos
em boletos cheques duplicatas
só consideramos um tipo de papel valoroso:
os que se escrevem poesias

a paixão não é mais barata que cifrões
e se um abraço é mais caro que o ouro
os beijos tem mais utilidade pública que bancos

a plenitude humana não se pega em empréstimo

pois é amor o que se faz teimosia do povo
de não se deixar ir ao abate
e de persistir em esperanças
e reivindicar não apenas existência
e os sábios já declaravam
é o dinheiro o que só traz a miséria
e queremos mais sonhos nos bolsos

quarta-feira, 24 de abril de 2013


te amo em valor de três tostões
talvez um pouco menos
mas é o que tenho no bolso
pra valer o meu almoço
e meus risos embotados
pra passar dias inúteis

não!
que não me pense em avareza
pois é que tenho quase nada
só mesmo estas moedas
e paixão velha sequestrada

pois é!
eu ando mesmo é muito roto
e fuço bolsos em querença
por enxada que roça solidão
que brotará em trigo vinho e cordeiro
pra meu incendiário coração

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

restingar


em restinga de paisagem
junto sedimentos mar
lampejou restinho de caatinga
em gargarejo de cacto-arvoredo
ser enchente pós-seca nos
poços salobres de areal fecundo

o ilógico em imagens
entrecortou a semântica

êa peraltice

ser sem palavra
só coisa
sem definição
ser sem significar

qual beleza oculta o verbo?

11/02/2012____cerca_de_13:00h_

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

já pensou?

qual a mentira de tua verdade?

não pensa...

sente.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

ontem senti um espasmo
que não foi de batata da perna
nem outro legume de membro

não foi falta d'água
vitaminas
ou sais minerais

foi doutra coisa
não digerível em matéria
nem mastigável em dentes
não foi daquilo que se intestina

foi em coração
pra pulular de artéria
pra rebentar canção
de corpo-alma inteiriço

eita não é que doeu?
essa cãibra danada

mas foi um prazer

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Somente Krakatoa

Krakatoa é uma ilha
homônima a vulcão
davam-no extinto
e enxurrada chama liquefeita
crepitou povo e choupanas
e nublou lua
anuviou sol

A última refeição das gentes-carbono
teria-lhes ao menos saciado?

Hiroshima é uma cidade 
feita paixão francesa de cinema
Mas que ingenuidade...
Qual película não diluiria
com cogumelos transe-carne
despetalando flores-vida?

Qual esforço por jardins novos em Hiroshima?

Carandiru se fez complexo
pra em concreto armado aferrolhar
Um dia o implodiram
pra o gargalarem ironia
rediviva em parque jovem
Que hipocrisia...
A mortandade só em fonética
anda de rima em mocidade

Quem dará condicional em grama germinada
aos chacinados nas ruínas-pavilhões?

Em Newtown há uma escola
como aquela que estudamos
Projéteis propelidos em corpos pueris
se encarregaram de fazê-la distinção
Metralhadoras não foram feitas pra hora do recreio

Quem tabula em dados lágrimas maternais?

Tlatelolco é uma praça
convertida em jazigo
engolfado em nódoas temporais
contristando sempiterno sol asteca
Que se chorem deuses do Olimpo
Que se ruborizem por seus jogos

Que se perguntem: 
teriam os assassinados estudantes
qual aula na manhã nunca acordada?

Espasma sangue em milhas perto e longe
mas só em Krakatoa por causas naturais

Uberlândia, 29/01/2013 ---- 00:13h

domingo, 27 de janeiro de 2013

Kárma-circus

           Kárma-circus


presente sereno
                                   quererá serenata
em fraturas-passado?
                                                                        afastar króno-rachas


se

                        ossaturas não distam
            mesmo molengas
                                   em cabide de corpo



                                               mambembe?



                        sua lona quer desvestir carnaval
            sua saia que é sem samba pra circo
                                   torrente festim desilusão



                                   beijar fissuras
                                                cicatrizar excertos
                                   arvorecer sortilégios
                                                lucilar mangabeiro

                                                                       Uberlândia_24-27_janeiro_2012

domingo, 20 de janeiro de 2013

de fragmentos: pedaço II

Como Sputnik em estouro ela vem. Fogueteia dos neurônios. Ganha um sentido e um sentimento que nunca que teve. Era ainda anos 1990, pelos seus fins, sexta, sétima série, coisa assim.  Lá ecoa um burburinho, um buchicho. Ele toca piano, toca teclado. A professora fica animada. Próximo tema é sobre a ditadura civil-militar no Brasil.

Ela gosta de música. Nem titubeia em propor a tarefa. Vai ordenar de supetão que cante, toque umas três. Coitado, se ruboriza e se eleva em ardor no seu pulmãozinho, um pouco grande, mas ainda em formação. Não vai dar conta. Nunca fez aula de piano direito, de teclado ainda menos. Aqueles sons MIDI são de uma chatice que nada seduz. Apresentava desde aí, nesses anos poucos e agora longes, pouca identificação com a norma.  Nunca se deu com ela bem. Odiava a obrigação do tempo certo de treinar o piano os instrumentos. Muito mais diversão haveria em ensinar as formigas a nadarem em vidro de Coca-Cola, testar suas resistências com refrigerante, ou vislumbrar seu futuro de paleontólogo colecionador das figurinhas de dinossauros que acompanhavam o chocolate. Tinha até o álbum.  Outra coisa não haveria de ser.

Não tinha, no entanto, mais de ser isso por umas semanas. Umas semanas, quando se tem 12, 13 anos, pode se traduzir em passagens de umas duas ou três estações, às vezes com mais cara de inverno, que de verão ou primavera. Tinha que aprender a tocar. Como ia de ser? Tentou tirar de letra de um jeito bem rústico. A melodia não era tão primorosa, mas os acordes estavam bem encaixotados. Tinha de dar um jeito, não podia apresentar a música daquele jeito pros colegas. Não era nem uma, aliás, apesar de ter tirado de ouvido, uma somente. Eram três, é bom rememorar.

Mas quanto a música só a uma pessoa poderia recorrer. Seu pai... e tinha medo dele e o piano era dos sonhos paternos que não lhe pertencia. O pai, homem que se dava de namoro ou até casório com a música e nela se remediava de dias cansados se trancafiando no estúdio improvisado que tinha em sua casa.

O filho não era disso, se cansava tão rápido das notas das partituras. Disciplina não era coisa dele. Quando não tinha ninguém próximo, ele já se aventurava a auscultar pelas teclas e entranhas do instrumento, as melodias que gostava quase de raro com sucesso. Enfastiava-se de pensar que teria que seguir a lição designada pela professora semanalmente. Até dava-se um jeito no final. No final mesmo. Se a aula era na sexta, no sábado que aprendia. Mesmo que custando uns atropelos de mãos durante a execução à mestra.

Então ele seguiu pelo quartinho-estúdio. Tímido, sem jeito de dizer. Ficou olhando o pai com sua execução musical perdida no esquecimento.  O pai para. Pergunta o que quer. Ele lhe diz, com as palavras arranhadas e fatiadas. O pai fica a pensar no que diz. Lembra que tem uma das músicas. Os acordes. Estão lá no livro. O filho diz que tentou tirá-la de ouvido. O pai pede: “Toque então”. Ele se morre pra mostrar a ele.

Os acordezinhos sem arranjo saem de um jeito bobo. Sim, bobo. Como tudo de criança rumando adolescência é frente ao que se faz dúvida. De todo modo, o pai fica  meio impressionado. Não são de tanta técnica, mas caem bem certeiros.  Daí que vai dar parecer bem e o filho sente isso em confiança, o que quase nunca ousava ter.

E então que aprende com gosto que ficará no peito por tempo até agora e vai saber pela primeira vez na vida, com essas três canções, que eram somente tarefa de escola, que nada tem que ser do jeito que está e  isso apesar do mundo lá fora, apesar do mundo cá dentro e “apesar de você”. E, que mesmo com carnaval acabado, é preciso cantar! Mais que nunca, pra cidade que moro, sinto e olho se alegrar! Foi uma feitura que pequena foi crescendo pra algo grande.

Foi nas semanas seguintes sorrindo-se de feliz, e sentiu um carinho destemido para o pai. A partir dele via que podia a música acontecer, que podia tocar ela e com ela se tocar... E se não era carinho de abraços, fazia  esquecida a vontade atravessada de, ao encarar a face progenitora, virar olhos pra baixo. Tocar música na escola era um evento, mas pequenino frente aquele, e de raro aconteceria pelos tempos algo com tal similitude.

De todas as lembranças de meu pai, que não raro pululam feito pulgas, em espaçados movimentos rápidos, de uma forma bem doída, é nessa que tenho aprendido a me agarrar. E o tenho gratidão, por dali ter eu começado a me parir pra mim...

Pai, você não entende meus caminhos! Mas um dia entenderá. E, se conquistar graça de alta consciência, quiçá também entenderei os seus...

De fragmentos: Pedaço I

A Arnaldo pelo embalo de piano que segura melancolia e transmuta em alegria..

Andava todo quebrado, espatifado, devia ter vergonha de andar assim. Não tinha... Era um sujo, mal lavado, cara de tacho, cabeça de cavalo. Friso: não estava, era... Uma condição de existência.

Era fragmento. O que é solto ninguém quer, porque não faz sentido. Quem se apega a pedaço só o faz em tempo curto. Ver vida em fatias tem beleza perecível. Dura enquanto cai bem no sanduíche. Depois logo perde, e se tiver alguém que se apetece, pode ter certeza, garanto que responde pela alcunha de Bolor.

Pois bem, tinha então uns 20 anos de fracasso meritório. Trabalhava qual burro de carga, naquilo que não queria, pra ambição que não lhe pertencia. Não que fosse nobre, pois se fazia mais e mais restolho de seus desejos de menino, enxovalhado pelo temor que interrompia a ousadia de alçar planos possíveis. Tinha sofrimento, que se vangloriava por debaixo do orgulho, pois que havia sido o único bem que conseguiu comprar com a poupança que ajuntara.

Tinha as vontades na mão esquerda, o medo na direita. E pensando, hoje, deve ser por isso que lhe ensinaram desde novo a ser destro. Os veios protuberantes daquele lado que maculavam, desde a pré-escola, como jeito de gente deseducada e animalesca escrever, denunciavam sub-repticiamente que eram desague mais denso de sangue que o coração bombeia.
Ser canhoto é compor letras deturpando subversivamente como se estrutura a forma. Na escola e na família aprendera que certo era seguir bem retilíneo, pela faixa da direita, evitar a contramão. De preferência dê lugar sempre pros outros, esqueça o que quiser. Pra você sempre haverá mais tempo, do que terá para o alheio.

Eram estes os mantras que entoaram para tocar repetitivo no cantinho obscuro sem que nem se apercebesse e de tanto os ouvir começava a acreditar que devia com eles conformar.

E o sol queimava sua face chamuscando chicotadas, pra subir a rua íngreme com carrinho de encomendas com cento e cinco quilos. Era a rotina que não queria. Esquecera que fora homem, e ao corpo estendia o equino de sua face. Eis que se tomou por um furor, que não podia controlar. Deixou todas as coisas e rumou para o escritório. Teria de lhe ouvir. Era desumano trabalhar daquele jeito. Queria seus direitos. Atravessou a porta com passos batendo forte o chão, bateu a mão na mesa do chefe. E berrou em alto som: “- Não trabalho mais assim! Esses sapatos todo furados não me aguentam mais! Eu exijo que calce em minhas patas agora as ferraduras! Ou amanhã eu não mais volto!”

E então preferiram não calça-lo. Mas se não apareceu ao trabalho no dia seguinte, foi nisso que se deu a salvação. 

Dias desses tive notícias... rumina mansamente os prados verdejantes onde mandam os sujeitos que escrevem suas existências em canhoto. Está certo! Deixar de ser direito não podia ser algo que prestasse...

sábado, 19 de janeiro de 2013

Dormir


com Smiths me adormecendo 



Dormir
O tempo que desconhece
a pausa entre vida e outra
o silêncio dos recalques
desejos em prazeres
“Não os resistir”

Dormir
Pertinaz premência
de quimera compungida
Sombra em aceno pra alvor 
esplender nublar de vista
pra esperança desturvar

Dormir
exaurindo choro na goela
com vinil a vacilar
em salto o arranho
desfalecer na invitação
de afabilidade pra olvido:
o lacrimar matutino
será ao menos atual

Dormir
Rir os sorrisos despossuídos
Repartir mágoa sonegada
evidencias pra descontrole
de temperança perecível
em carta de tarô cigano
em quiromancias de agouro
com nós a solapar futuros meus

Dormir
em colchão de dessossego
retorcer espaços de mente 
rebentar veios de olhos
em vermelho-desengano
pra contingência despertar

Dormir
enigma de corpo
sedação inoculada
que cerra as pálpebras
a volver mundo pra dentro

Uberlândia_____tarde_de___19_01_2012

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

pedras transitórias

em ausências primaveris
somando quinze vezes
perambula passos parvos
farejando arranjos-cegos
de inodoro esmorecer

amizades despossuídas
sucumbem sorridentes
nos recreios fantasias
em quebranto pras córneas
quinquenais de invernos mudos
de íris petalada a estoirar 
em chibatadas de gabiroba
de cerrado glacial

tribunal de pequenas causas
decrepitou sua sina:
por falo de nascença
será debutante sem vestido
e as pernas tontas moles
não darão pro futebol

não prestará pra homem
não prestará pra mulher
dos dois lados nenhum serve
e sete cores são escassas
mas apartam chuva-gris

quinze tempos cíclicos
pra ansiar definitivo
fender de peito curioso
palpitando no infinito
regalos a vir póstumos

pensa que Fuji
pode ter com Himalaia
de parelho com Andes
a Mantiqueira enfeitada
por silvestres arvoredos
de samambaia frutificante
no cume setentrional 

e do deserto habitado
sob céu que não se toca
dia santo e santo dia
reza carinho bem devoto
pra cortantes naves luminosas
visionarem pardo ticket 
de duas paradas sem escalas
rumo a montes ajuntados
que distanciem a aridez
que é tão canalha

Uberlândia_17_01_2013___________
Refazer em 24/01/2013

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

em três tempos

ao que faz dores e cores distintas se espelharem

  primeiro tempo


Pão
sangue
suor
escassos
pra amor

Corta
o corte
na corte
confabulada
com cetros
corroer comunhão

Pouco
o ganho
pro bolso
pra almas
pra vida
pro solo
pro sol
pra água
pro sal

Sem coração
se você o faltar

Há pausa
Há choro
Há canto
Há cinco
Há letra
Há caras
Há caros
karma
Há calma
Há todos
Há nadas
E o que há se você o faltar?


segundo tempo


De rotinas só
não se vive antropo
e agonia se azulina
pro que há se você o faltar

Pernas nuas em enrosco
embotar calor no frio
com crivo anódino
de chamuscos sabático-noturnais
Mas se você o faltar
o que o terá pra pulsar?

Há quem tome dinheiro
Há quem tome respeito
Há quem tome pinga
Há quem tome qualquer coisa
assim como
há quem tome veneno
pra espirro dos olhos
que não querem você o faltar

Safada gula ribanceira
que carcome beira derme
pois engula-me completo
que entumeço contento
perfaço resistente
não permito o faltar

terceiro tempo


depois que a falta
meus oríficios chispar
então me diga
que haverá?

não quererei imaginar
se findar o sabão
essas manchas nas roupas
quem lavará?

pra fugir de covas minhas
esperança em cordas
entrelaço nos punhos

agasalho-me ígneo
pra não tremer  mais ventos
que vem e que passaram

sou agora
que ninguém trincará
com terremotos
ou se você o faltar

Uberlândia_14_01_2013_____10:44am

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Quanto você paga?

Sentimentos parametrados
em sucesso ou fracasso
um com outro
sem combinação
o último ninguém quer
quando se é 
melhor morrer

Balconista, vê dois pacotes de Glória!
É promoção imperdoável
Leve três pague dois
Só hoje

Garantia estendida
Seguro pra desemprego

Enquanto durar estoque

Nem hesitei no êxito embalado

Oportunidade única!
Grita circense animador 
“O trunfo garantido 
ou devolução do seu dinheiro!”
Enamoro-me o futuro adquirido
Travo língua com vendedor
Transo balconista e cliente
Trepo gerente e carregador

Quanto vale a alegria?
Felicidade é bem durável?

Pechincha me contenta
pois qual chance me haveria?
que escambo ceroulas rotas
por chinelas destroçadas 
a rachar no chão urbano?

Meu louvor flamejará
na gratidão da oração
pra essa Graça sem maior 
que em mercardinho de esquina
se faça farta a xepa
do que não dá pra ser


Uberlândia, 10/01/2013 – 03:28h
Versão renovada 24/01/2013