quinta-feira, 5 de setembro de 2013

de fora para mim pro que devemos ser

O povo não é alienado. Na verdade, o povo, principalmente sua parte mais pauperizada, tem um senso de concretude que vai muito além do que pensam muitos dos que dizem como ele deve agir e saber. Sim, porque o povo encontra estratégias para sobreviver, para não passar fome, para não passar frio, enfim, para garantir a continuidade de seus amanhãs.
 Por vezes, isso não se conclui em manter-se na legalidade.  Por isso as trilhas avessas à norma são uma das possíveis saídas quando os salários não chegam ao fim de mês e as contas sempre batem mais que os parcos trocados juntados pelo suor de seguidas jornadas laborais extenuantes.
O povo sabe da importância do trabalho e de sua relação com o capital. E o mede isso todo dia que lhe falta o pão. O seu suor salgado escorrendo da face ao corpo atesta desejo por dias maiores. Não maiores em tempo. Mas maiores em vida. Pois a vida não é medida numa contagem de minutos, horas ou anos. É tão simplesmente a possibilidade de se rir, chorar, apaixonar, entristecer, sentir. Ver que as cores vão para além das caixas de lápis, das sinestesias artificiais. O Estado deveria garantir a toda cidadã e a todo cidadão sentir o cheiro da chuva que cai na terra que está seca há meses. Ou ainda que toda criança tivesse direito a voar juntinho com as pipas que empina. Que bobagem alguém vai me dizer... céu é tão longe, né? E as pipas nem aguentam o peso. Mas esse céu é bem pequenino e próximo perto das nossas fantasias e do nosso desejo de sermos o que quisermos. Nosso peso pode sublimar aos encantos das nuvens que se esculturam aos nossos olhos.
Deito-me de umbigo pro sol e olho o horizonte lá no alto e outra vez me lembro do povo. É que eu nunca me esqueço pra sempre ter uma nova certeza. A mais nova é que o socialismo deveria se resumir no seguinte termo: a obcecada busca por plenitude humana. Pois se isso não for qual haveria de ser sua serventia?
O maior tumor da sociedade que vivemos, e que só cresce, é o descarado roubo de subjetividade. Confundimo-nos com os produtos, com as mercadorias, com os elixires que supostamente expressariam o sabor que gostaríamos de nos degustar. A autenticidade pode ser dada como moeda de troca para o novo barato de agora com obsolescência previamente programada.
A rotina é um entremeado de grades que rodeiam nossos passos. Mas meus pés calejados não se conformam com esses terrenos tão planos. Eles foram fabricados para as montanhas, para os relevos íngremes, inclusive aqueles medidos nas batidas do coração. Quantos corações quis entrar e eles se deram em propriedade privada ou até privativa. Pois bem! Deveriam socializar os corações. Expropriar todos aqueles que se fazem latifúndio, monocultura, terra improdutiva. Um coração deveria ser livre pra quem quisesse entrar por tempo indefinido. Não deveria ser uma prisão, nem uma fortaleza. Deveria se abrir e se deixar ser aberto.
“É terminantemente proibido que o consumo individual de mundo de ultrapasse a quantidade necessária à vida digna do outro”. Acho que eles se esqueceram de escrever isso na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Capaz de ser porque ela não é para todas e todos de nossa espécie. Ou porque sua universalidade é limitada a algumas poucas galáxias.


Cada uma de nossas respiradas deveria de ser uma oração. Como uma prece que aspira de fora para dentro e é devolvida em louvor e gratidão. Mesmo as angústias que apertam a garganta podem ser expiradas em ternuras pelo instante. Dai-me amor. Dai-me vida. Dai-me candor. Por todos e por mim. Por nós.